!SPOILLER ALERT!
Este "livro" (na verdade, um ensaio, não tem muitas páginas, cerca de 50) é um relato de Aldous Huxley (autor de "Admirável Mundo Novo" e "A Ilha") sobre sua experiência com a
Mescalina , substância encontrada em cactos usados por nativos índios dos Estados Unidos e México. Na primeira parte, ele descreve as mudanças do mundo real para o mundo sob efeito da droga e, na segunda metade, dá sua conclusão filosófica acerca disso.
A primeira metade sobre os efeitos ilustra, com ajuda de um amigo com olhos científicos e da sua esposa, o que ele vê, abstrai e sente. Ele enfatiza o aumento na percepção das cores e a falta de percepção das formas geométricas e do tempo. Cita várias obras de arte, comparando sua percepção com a abertura da mente do artista para fazer arte, onde o artista, com seu talento, expõe detalhes que a mente comum simplesmente abstrai, e ele, sob efeito da Mescalina, podia perceber esses detalhes com maior prazer. Além disso, dá declarações de cunho religioso, como se a droga pudesse libertar um espiritualismo (citando, posteriormente, várias obras de Espiritualismo e Budismo). É importante citar a sua opinião sobre a ONISCIÊNCIA , onde o cérebro tem função de restringir essa onisciência e filtrar o que é fundamental para a sobrevivência, mas, sob efeito da Mescalina, há a liberação para melhor perceber, daí ter usado um trecho de uma citação de William Blake (presente no prólogo do livro) para dar o título ao ensaio. E declara "a familiaridade gera indiferença".
Huxley frisa também o caráter passivo provocado pela droga: "Ela nos permite chegar à contemplação, mas a uma contemplação que é incompatível com a ação e até mesmo com a vontade de agir, com a própria idéia de ação." Comenta sua "falta de vontade" de sair do lugar, quando convidado a ir para o exterior do recinto onde se encontrava e sob a sensação de não ser seu eu a sair, como se tivesse vendo seus movimentos como um espectador. Sobre a música (o efeito da Mescalina na percepção da música também é comentado em outro livro que estou lendo, "Alucinações Musicais" de Oliber Sacks), disse se sentir indiferente à música instrumental, mas fascinado pela música cantada, "Essas vozes são uma espécie de ponte que nos permite regressar ao mundo dos homens". E, durante sua "viagem", frisou que o efeito deveria ser o mundo como vemos: "É assim que precisamos ver as coisas. Isto é o tipo de coisa que precisa ser vista". Manteve comparação, também, com esquizofrênicos, que vêem o mundo como quem está sob efeito da Mescalina, entretanto, não possuem a certeza de que o efeito se acabará e ainda têm angústias que provocam algo do tipo "
bad trip" ao perder o conforto do mundo "real".
A segunda parte, em meu ver, foi mais agradável de ser lida. É bem menos descritiva e mais filosófica, contando o que Huxley achava sobre as percepções, sobre as drogas, sobre religiões... Reafirma a importância de se ter uma percepção extrasensorial, ou talvez, da perda da filtragem da onisciência. Relata então a íntima relação entre religiões e o uso de substâncias psicoativas, em geral, acompanhadas de álcool. O efeito dessas drogas faz com que o fiel perceba o que a religião lhe promete, ou, na verdade, o que não consegue simplesmente pela fé, atuando como um complemento. Pensei em como isso poderia se relacionar com o Cristianismo, no máximo há o vinho do Padre, mas ele vem logo em seguida comentando a respeito do Cristianismo e, de fato, o cristianismo não estimula a desvinculação com o mundo concreto e uma viagem ao mundo abstrato sob efeito de alguma droga, e, naturalmente que o vinho não seria suficiente para isso, mas, estimula que a viagem ao mundo interior seja feita através da prece (acabei de lembrar da presença do incenso em missas, mas ainda assim, não é nada que se compare...) provocando, segundo Huxley, uma frustração pela falta da sensação de êxtase. Comenta que não há restrição quanto ao uso de álcool, usado, assim, pelas pessoas para conseguir o acesso às divindades que não conseguiria através da oração.
Huxley fala da necessidade das pessoas pela fuga da realidade, coisa que já tinha pensado a respeito e chegado à mesma conclusão. De fato, pensando nos efeitos maléficos do álcool (este menos, pois existem estudos que comprovam que pode ser benéfico, sob doses baixas) e do cigarro (este sim, mais especificamente, porque é constituído, basicamente, de malefícios) e o fato de não serem proibidos, eu penso que, caso fossem proibidos (e , de fato, controlados), estaríamos sob o risco de um pandemônio. Pessoas ansiosas tendo ataques de falta de controle, pensamentos de morte presentes o tempo todo, falta de inibição social... Ás vezes penso que é preciso muita coragem para ser sóbrio. E que o cigarro não sai da vida por algum controle social. Mendigos fumam, poderiam se tornar agressivos... Pessoas em profissões de alto estresse fumam, poderia vir a surtar e funções fundamentais da sociedade poderiam não ter quem as desempenhasse. E Huxley comenta esse ponto, afirmando que apesar dos efeitos de câncer e de acidentes, o consumo ainda existe. Há a necessidade. Ser louco é uma virtude. E há um ponto do livro que me fez lembrar muito do "soma" de "Admirável Mundo Novo", onde ele disse que era necessário que a sociedade buscasse uma droga com mínimos efeitos colaterais e suficientes para conseguirmos acessar nosso interior e abstrair de nossas angústias. "Precisar-se-ia, pois , de uma nova droga que aliviasse e consolasse nossos semelhantes que sofrem, sem lhes causar dano maior, após um período prolongado de tempo, do que o bem que ela lhes pudesse proporcionar de imediato". E que essa droga não seria a Mescalina, dado seu efeito de
"bad trip" em pessoas com depressão e/ou com angústias e rancores, mas sendo uma das melhores opções, mostrando que não vicia os índios (passam períodos sem uso, sem perda de habilidades) e não altera o caráter (usuários nas aldeias são até menos agressivos que os não usuários). E conclui afirmando que "o homem que vem de cruzar de novo a Porta na Muralha jamais será igual ao que partira para essa viagem", sendo importante que as mentes ativas passassem por essa experiência de percepção para entender mais o interior, apresentando grandes avanços sociais, científicos e tecnológicos.