Existe um projeto, de 2007, do senador Cristovam Buarque, que pretende forçar todos os políticos a colocarem seus filhos em escolas públicas. O projeto, de número 480, infelizmente, é inconstitucional (aparentemente, fere algumas das liberdades de escolha do cidadão que é o deputado porque, aí sim, ele se põe como cidadão comum), mas também o é o projeto de proibir máscaras (a mesma liberdade de escolha), então, seria uma grande importância que, em prol de um bem maior, essa inconstitucionalidade fosse posta em prática.
Um primeiro ponto, mais óbvio, é de que, ao matricular seu filho numa escola pública, o servidor vai se esforçar mais para que ela seja boa, no que estiver à altura do seu mandato. Pode ser que todos os deputados combinassem de matricular os filhos numa escola específica ou que criassem cotas para seus filhos nas escolas públicas boas. Mas isso seria muito pior para a opinião pública do que simplesmente esquecê-las, então, uma vez obrigado a usar a escola pública, ele ia ter que usar escolas sem nenhum privilégio desses, pois seria admitir que o sistema é uma porcaria – e isso, eles não admitem.
Mas, além disso, é usando o serviço que se sabe onde melhorar e o que está acontecendo durante o caminho entre o escritório e a prática que não corresponde às mirabolantes propagandas políticas. Até se admitirmos que os políticos tem boas intenções com a educação, muitas vezes ele se convence que o que ele faz é suficiente, sem nunca descobrir, na outra ponta do serviço, que o mesmo não é bem prestado. Esse é um problema típico no Brasil (talvez seja um problema de administração pública, em geral, mas só conheço o Brasil): há um distanciamento entre a administração e o usuário, talvez até reflexo da baixa representatividade dos poderes políticos com relação às demandas da população. O administrador confia tanto nas suas planilhas que ignora os clamores de quem realmente usa. Vou dar um exemplo sobre o sistema do BRT do Rio. O secretário de transportes diz que é um sistema de transporte de massa, que é normal ficar cheio. Pode até ser (embora pudesse ser mais eficiente, mas isso é papo para outro post), mas, e se ele próprio tivesse que entrar no BRT para ir e vir do trabalho? Será que não pensaria em alguma maneira de otimizar o serviço, mesmo com as limitações que tem hoje? A inspiração para uma solução economicamente viável viria com o amasso da viagem ou as longas filas. Eu mesmo nunca saberia de alguns problemas do BRT se não tivesse usado, como por exemplo, as linhas paradoras e a necessidade de baldeações. No alto de seus escritórios, nas suas planilhas, é muito confortável para o usuário ir rápido no BRT, sem contar com tempos perdidos de demora, de baldeações que poderiam ser mais práticas, entre outros motivos. É usando que se vê a realidade do serviço, o problema é que o usuário, em geral, não tem capacidade de dar sugestões de melhora (daí os protestos serem como gritos desocorro) e aqueles que podem melhorar não usam o serviço.
Entendo que o projeto poderia se espalhar por todos os serviços públicos, isto é, que o político também fosse obrigado a usar o hospital público e o transporte público. O projeto encontra-se disponível para leitura no site do senado, está apresentado nas figuras ao longo deste texto e está transcrito abaixo. Que cartazes com “Pelo projeto 480” se levantem nos protestos daqui pra frente.
-x-
Determina a obrigatoriedade de os agentes públicos eleitos matriculares seus filhos e demais dependentes em escolas públicas até 2014.
Talvez não haja maior prova do desapreço para com a educação das crianças do povo, do que ter os filhos dos dirigentes brasileiros, salvo raras exceções, estudando em escolas privadas. Esta é uma forma de corrupção discreta da elite dirigente que, ao invés de resolver os problemas nacionais, busca proteger-se contra as tragédias do povo, criando privilégios.
Além de deixarem as escolas públicas abandonadas, ao se ampararem nas escolas privadas, as autoridades brasileiras criaram a possibilidade de se beneficiarem de descontos no Imposto de Renda para financiar os custos da educação privada de seus filhos.
Pode-se estimar que os 64.810 ocupantes de cargos eleitorais - vereadores. prefeitos e vice-prefeitos, deputados estaduais, federais, senadores e seus suplentes, governadores e vice-govemadores, Presidente e Vice-Presidente da República - deduzam um valor total de mais de 150 milhões de reais nas suas respectivas declarações de imposto de renda, com o fim de financiar a escola privada de seus filhos alcançando a dedução de R$ 2.373,84 inclusive no exterior. Considerando apenas um dependente por ocupante de cargo eleitoras.
O presente Projeto de Lei permitirá que se alcance, entre outros, os seguintes objetivos:
a) ético: comprometerá o representante do povo com a escola que atende ao povo;
b) político: certamente provocará um maior interesse das autoridades para com a ediicação pública com a conseqüente melhoria da qualidade dessas escolas.
c) financeiro: evitará a “evasão legal” de mais de 12 milhões de reais por mês, o que aumentaria a disponibilidade de recursos fiscais à disposição do setor público, inclusive para a educação;
d) estratégica: os governantes sentirão diretamente a urgência de, em sete anos, desenvolver a qualidade da educação pública no Brasil.
Seria injustificado, depois de tanto tempo, que o Brasil ainda tivesse duas educações - uma para os filhos de seus dirigentes e outra para os filhos do povo -, como nos mais antigos sistemas monárquicos, onde a educação era reservada para os nobres.
Diante do exposto, solicitamos o apoio dos ilustres colegas para a aprovação deste projeto.
16 de Maio de 2007
Senador Cristovam Buarque
(Às comissões de Constituição, de Justiça e Cidadania e de Educação, cabendo à última a decisão terminativa.)
Publicado no Diário do Senado Federal, de 17/08/2007
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